Na reunião de formação da Rede, do dia 7 de outubro, o tema discutido foi o SUS e a crise da saúde. Quem facilitou a discussão foram Leandro David, médico sanitarista e Rodrigo Oliveira, estudante de medicina. Thiago Gaúcho e Marcos Asas, também estudantes de medicina, contribuíram com o debate.
No início da reunião, a conversa foi sobre o SUS - Sistema Universal de Saúde – que é considerado o único do mundo com acesso universal, integral, igualitário e gratuito a toda a população. Pelo menos, no papel. Antes do atual sistema, criado com a Constituição Federal de 1988, só quem pagasse a Previdência Social tinha acesso à assistência em saúde, através do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). Assim os trabalhadores informais e os desempregados não poderiam utilizar a rede pública de saúde. Restava para esse contigente da população a assistência gratuita das Santas Casas. Ou seja, para muitos a saúde não era direito, mas uma caridade.
Na prática, a crise de gestão no SUS sempre existiu, impedindo a universalização do direito e perpetuando a existência dos serviços privados e dos planos de saúde. As causas apontadas são o baixo financiamento, a corrupção, entre outros problemas de administração pública. Mais que isso, a noção de saúde como algo que não é apenas a ausência de doenças, mas sim um bem estar integral ainda é pouco difundida entre a população e pouco incorporada na prática entre os profissionais e estudantes da área. A população esquece o saber medicinal popular, afoga as unidades de saúde já precarizadas, inclusive a assistência psicológica, denunciando o estado de dependência de quem já não sabe estar atento ao cuidado de si mesmo. Dentro dessa lógica hospitalocêntrica, o SUS é encarado como um serviço de assistência do qual se depende para tudo e não um instrumento promotor do direito à saúde. Quem acessa os serviços privados, deixa de exigir seus direitos e relaciona-se da mesma forma dependente e mercadológica no que diz respeito à procura do bem-estar. Essa foi a conclusão inicial no debate do dia 7.
Em seguida, a conversa enveredou-se pela questão das Fundações Estatais de Direito Privado na área da Saúde. Discussão urgente, porque se trata de uma nova forma de gestão dos hospitais públicos encaminhada para votação no Congresso Nacional, e já aprovada em caráter de urgência e sem debate público no estado de Pernambuco.
Citada na constituição de 1988 e na emenda constitucional n°19 de 1998, esse tipo de Fundação pode ser um órgão para administrar áreas não exclusivas do Estado como a saúde, assistência social, cultura, comunicação social e outras. Configura-se da seguinte maneira: o governo federal contrata a Fundação (hospital) que se compromete a cumprir metas para oferecer os serviços à população; a fundação tem autonomia orçamentária, recebe os recursos do governo federal, mas os realoca na prestação de serviços com autonomia. No entanto, os valores cobrados nos serviços devem estar de acordo com uma tabela nacional e atualizada que não será necessariamente a do SUS, de acordo com Pedro Ribeiro Barbosa, um dos diretores da Fiocruz, em entrevista publicada pelo site saúde Business Web, em 18 de janeiro deste ano. Barbosa afirmou que alguns preços do SUS estão defasados. Outra mudança caso esses projeto das Fundações seja aprovado, é que o regime de contratação dos profissionais será pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de setor público, com admissão através de concurso. Cada fundação contaria ainda com um regulamento de licitações e com planos de cargos e salários próprios.
O Conselho Nacional de Saúde e o Conselho de Assistência Social não são favoráveis à idéia. Diversos sindicatos e movimentos sociais também se posicionam contra a questão. Apesar da lei já aprovada em Pernambuco, o Conselho Estadual de Saúde também é contra. Entre gestores e acadêmicos, a posição costuma ser favorável às Fundações.
Para Marcos Asas, o principal problema do projeto é permitir que cada Fundação tenha um plano de cargos, carreiras e salários próprios: “isso quebra de uma vez só a isonomia salarial, a possibilidade de uma carreira única para o SUS e com certeza se enfraquecem os Sindicatos, pois os trabalhadores vão ter cada vez menos problemas em comum”.
Marcos Asas acredita que o debate precisa ser aprofundado. Os argumentos contrários às Fundações precisam apontar alternativas aos entraves do SUS, como a Lei de Licitações que impõem prazos longos para compra de equipamentos. Esta lei poderia ser alterada, sem necessariamente se adotar a gestão através da Fundação. A lei de Responsabilidade Fiscal, que impede a contratação de profissionais após certo número de contratados, mesmo que a prefeitura e o governo estadual tenham dinheiro em caixa, é outra que poderia ser alterada, conferindo eficiência ao SUS.
O argumento que visa derrubar o que dizem os servidores públicos que se manifestam contrários às Fundações é que eles não querem perder a estabilidade, compreendida como incompatível com a qualidade do trabalho. Assim, estabilidade permanece como sinônimo de ineficiência. Porém, uma possível instabilidade nas carreiras dos profissionais de saúde não poderia alterar o quadro, obviamente.
O servidor público não é imune à demissão. O abandono de posto e outras causas podem acarretar perda do emprego. As metas também fazem parte do universo destes trabalhadores, já que é preciso acumular pontos para progredir na carreira. Isso não precisa significar instabilidade. O que impediria de haver mais metas a cumprir nos hospitais públicos? É outra pergunta que Marcos faz, apontando que hospitais universitários têm gestão de serviços por contratos, isto é, precisa cumprir metas quanto aos atendimentos, cirurgias, etc, sem incluir a folha de pagamento nesse contrato, garantindo segurança ao profissional de que seu vínculo empregatício não está restrito à duração de um contrato. “O problema não são as metas, mais quais metas?”. Meramente mercadológicas ou em acordo com os princípios do SUS?
A população precisa debater esses pontos publicamente. O SUS já garante o controle social, isto é, a participação da sociedade nos processos de decisões importantes quanto ao sistema público de saúde. Fica então a dúvida: por que o Conselho Estadual de Pernambuco não foi ouvido? Por que o projeto nacional não foi divulgado amplamente?
Mais informações: http://rodadasaude.blogspot.com/
http://conselho.saude.gov.br/
http://www.planejamento.gov.br/
http://www.saude.ba.gov.br/
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